top of page

Eu sou do HIP HOP,do HIP HOP eu sou:

a cultura que vem da periferia

Ouça mais

"E quando o Hip-Hop apareceu na minha porta
Prevaleceu, permaneceu na mente uma cota
Enriqueceu, fortaleceu a saudosa maloca
Enfraqueceu vários mo-mo-motherfucker
E eu me lembro da São Bento, 8 anos tinha
Todo aquele movimento deu discernimento e linha
Que pra ser um Mc não é só portar o microfone
Usar os pano muito louco e ter um belo codinome
É pra mina, é pra homem, é pra quem, pra quem quiser
Seja lá você quem for, seja como estiver
Hip-Hop é uma cor, um amor, uma fé
Denuncia a injustiça e deixa em choque os gambé

Hip Hop Rio

Planet Hemp

Trecho da música “O Hip Hop É Foda parte 2” de Rael, Emicida, Marechal, KL Jay e Fernandinho Beat Box (confira na íntegra no vídeo ao lado)

O hip hop é a junção entre a música, à dança e o grafite. É um estilo de vida, que une uma nova geração. Com seus sprays e microfones, o hip hop tornou-se, para os jovens negros e de periferia, uma nova de arma contra o sistema que os exclui.

Nascido nas periferias de Nova York no final dos anos 70, o hip hop se espalhou pelo mundo e no Brasil tem sua expressão mais forte em São Paulo. “Ele tem sua origem no Bronx, em Nova York, com as comunidades latinas, jamaicanas, porto-riquenhas e afro - americanas”, conta o antropólogo Ricardo Teperman. “No Bronx acontecia muitas festas com discos, improvisos, DJ’s tocando. Elas foram tomando corpo e assim surgiu tudo isso, pelo menos na sua origem mística. Só no final dos anos 80 que começou a ter esse discurso político”, completa.

O gênero é dividido em quatro partes: rap, DJing, Break e grafite. O rap é a parte cantada da música, o Djing é a batida feita pelo DJ, o Break é uma dança improvisada e o grafite são as pinturas feitas, normalmente, nos lugares onde acontecem esses encontros.

O hip hop serve com uma voz para aqueles que não são ouvidos. Por meio dessa arte, jovens da periferia conseguem denunciar para o mundo o que existe de errado na sociedade. É uma arma contra o sistema. “O hip hop me ensinou a importância de ser negro, nos ensinou a importância de ser protagonistas da nossa própria história. O hip hop deu uma identidade para a juventude negra”, afirma Bira Sabino, presidente da Casa do Hip Hop de Piracicaba (SP).

Era noite de um domingo quente. A primeira do horário de verão em Piracicaba (SP) em 2016. O relógio da catedral marcava 20h30. Na praça José Bonifácio, ao lado do coreto central, uma aglomeração de pessoas chamava a atenção. Naquele instante os olhos de cerca de 150 pessoas se voltavam a MC Fractual e MC Índio. O duelo fazia parte da finalíssima Batalha de Sangue Cena do Louco. O campeão sairia dali com um cobiçado prêmio: a vaga num campeonato estadual de freestyle.
 

Porém, antes de chegar a essa final, o público e os MC’s já estavam reunidos desde às 16h. Horário em que começou o evento.
 

Vinte MC’s se inscreveram para concorrer à vaga no campeonato estadual. Eram de  Piracicaba, Indaiatuba, Campinas, entre outras cidades. Um sorteio realizado pelos organizadores estabeleceu a ordem em que cada MC entraria em cena. Realizado o sorteio, hora da ação.

Com um microfone na mão de cada MC e ao fundo um tocado de

BATALHA DE RAP: 

onde a criatividade é a melhor arma                

rap, os desafiantes precisavam duelar entre si. Jogo ácido de palavras.  Valia tudo, era batalha de sangue. Sobrou para mãe, pai, tia, e a classe política não escapou.  Teve rimas sobre o crime, mas também teve expressões sobre o amor. A cada jogo de palavras solto no ar, o público reagia. Se a rima fosse ruim, caras e gritos de desaprovação. Mas se a rima rimasse com rapidez, o público reagia sem pensar nenhuma vez. Gritos, pulos e caretas provavam que, tanto público, como os MC’s, ali, todos se entregavam de corpo e alma na arte da batalha. Mas o foco não era importante só na plateia. O júri, composto por  quatro integrantes da cena hip hop, tinha a palavra decisiva. Ao final de cada batalha, formada por três rounds, o apresentador pedia o grito da galera. O barulho mais forte indicava um ponto ao escolhido pela massa. Depois do voto da plateia, entravam em ação os jurados.  O voto de cada um também valia um ponto. Vencia o MC que somasse mais votos, do público e dos jurados. De 20 MC’s no inicio na Batalha da “Cena do Louco”, ficaram dez nas oitavas, e depois outros foram sendo eliminados. Na semifinal, MC Fractual venceu e foi o primeiro finalista. Poucos minutos depois saía o outro oponente: MC Índio.  A chave decisiva estava completa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Apesar de ser muito conhecido como uma manifestação do rap, o duelo de rimas não é exclusivo desse estilo musical, já que em diversos países, através de estudos da cultura popular, foram identificados ‘jogos’ semelhantes. Porém, nos EUA, alguns jogos de rimas ficaram exclusivos à comunidade negra, sendo observado, inclusive, no embate em carceragens masculinas, com teor muitas vezes homofóbicos. Teperman explica que essas expressões sexistas e homofóbicas  que se desenvolveram ainda no começo das batalhas permanecem até hoje. “Você dizer que seu adversário é gay, qualquer coisa que questione a masculinidade do seu adversário é  algo que tá na origem, são práticas masculinas e reafirmações da masculinidade”, explica o antropólogo.

Antes do início da batalha derradeira, Pedro Jacinto, o MC Fractual, sentou-se nas escadarias do coreto, estava concentrado. Cerca de 6 metros dali, Luan Guilherme de Oliveira Dalci, o MC Índio, treinava rima com um grupo de parceiros.  O organizador chamou os dois pelo nome artístico. Chegou a tão esperada hora. A roda se formou e a final começou...

As batalhas de rima, também conhecidas como batalha freestyle rap (rap livre), remete justamente ao começo do gênero do rap, ainda no subúrbio de Manhattan, nos Estados Unidos.  Nas festas realizadas nas ruas participavam diversas pessoas e, vez ou outra, havia alguma situação de provocação espontânea entre com os MC’s e populares, e ali o duelo era na rima.

Para o antropólogo Ricardo Teperman, as batalhas vieram antes mesmo da consolidação do gênero rap em letras. “As batalhas estavam na origem do rap. Antes de as letras se consolidarem

como letras de um autor, que podem ser transcritas para um encarte de discos e gravadas, o rap acontecia por improviso e muitas vezes por desafio de improvisadores”, explica.
 

Embora passado tanto tempo dos primeiros registros de batalhas, o formato é ainda idêntico. Em um grupo de pessoas, dois participantes  duelam entre si com rimas. São três rounds de 30 segundos para cada integrante.  A cada atuação é pedido barulho, quem conquistar mais a simpatia, e a aclamação do público e de jurados, vai avançando e passando para outras etapas até o final.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Para Teperman, o fato é conflitante nos tempos atuais, já que nas batalhas o grande objetivo é  zoar o outro.

 

“Nas batalhas eu preciso zoar, vou ganhar o público se eu zoar... mas preciso tomar cuidado para não errar a mão nas categorias, nos assuntos que são sensíveis aqui, nesse contexto. Questão racial costumar ser um deles, gênero outro, machismo, entre outros. Mas isso é analisado caso a caso, já que o nível de tolerância oscila muito em função do grupo que está presente majoritariamente: masculino, feminino, branco ou negro, tipo de humor, rima”, salienta Teperman. 

 

E é essa oscilação de grupos que faz com que as batalhas sejam classificadas de diversas  maneiras, e os MC’s sabem bem explicar.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Robson Ribeiro, de 33 anos, conhecido como MC Peqnoh, diz que há três principais manifestações de rima no cenário hip hop, são elas: batalha de tema, conhecimento e a de sangue. “As batalhas de tema, que são as que o público ou qualquer pessoa sugere os temas. Os MC’s fazem rimas em cima desse tema com tempo pré- estabelecido. Pode ser debate político, tema sobre natureza (...) Tem a  batalha de conhecimento que é diferente, é com várias palavras e o cara tem que ir olhando na lousa e vendo todas as palavras e tentando encaixar elas no sentido delas dentro das rimas. E essa de sangue que é livre pra falar o que quiser. Desde o biótipo até a família, daí vai de cada um. Se o cara ouviu e souber responder é responsabilidade dele. Se o cara falou algo que é uma besteira, ele vai ter que arcar com a responsabilidade dele”, explica o rapper.
 

Para MC Peqnoh, as batalhas são importantes principalmente em dois sentidos para o artista: autoestima e conhecimento. “A batalha proporciona uma atividade para expor o que pensa e a capacidade de ouvir, e saber o que responder e como responder. Uma parada de autoestima. Muita gente chegou aqui de cabeça baixa, rimando para o chão, e hoje um deles foi finalista aqui; quase foi representar o Estado. E tem uma parada importante para o conhecimento. O cara não se estagna na informação que chega mastigada, ele procura informações para ter resposta”, afirma MC Peqnoh. Conhecimento parece ser a palavra chave para que um MC seja vitorioso nas batalhas.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Guilherme Pires, conhecido como MC Mojica, participa dos movimentos do hip hop desde os  13 anos de idade, e foi influenciado para o rap após ver as batalhas de perto. Para se preparar nas batalhas, Mojica explica que cultura é fundamental. “Aqui é uma batalha de improviso, então você tem que preparar o vocabulário e não o que vai dizer. A gente procura ler, entrar na internet, lançar música sem a voz, procura palavras aleatórias para tentar fazer um texto, história. Sem cultura não tem chance de fazer nada, vai ser motivo de piada”, afirma Mojica.

De fato. Com cultura, conhecimento e vocabulário se vai longe. Na final da Batalha “Sangue do Louco”, os MC’s Fractual e Índio provaram que mereceram ser finalistas. Ao final dos três rounds, o público delirou com MC Fractual. Voto certo e importante. Um a zero contra MC Índio. Mas no fim os votos dos jurados decidiram. O campeão: MC Índio. Uma vibração intensa.

O abraço de cumprimento entre os dois desafiantes mostrou a maturidade dos dois artistas. MC Índio saiu quase carregado. Com um sorriso estampado e sendo assediado pelos abraços e aperto de mãos do pessoal que ainda estava na praça, ainda teve fôlego para explicar que a fé, boa leitura, ‘assistimento’ de batalhas e treinos foram fundamentais para sua vitória. O objetivo do MC Índio?
 

“Quero ir pra São Paulo conseguir ser campeão lá e representar o estado no nacional, em Belo Horizonte”, afirma.

 

Boa sorte, campeão!

bottom of page