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O SAMBA, o RAP e a apropriação CULTURAL

 

 

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Em qualquer churrasco de família, ou em quase todos os barzinhos da sua cidade é possível ouvir alguém cantando algum samba sobre mulheres de todas as cores, de várias idades e de muitos amores. Agora se você resolver se reunir com seus amigos universitários, independente do curso ou do local, você, com certeza, irá ouvir algum rap falando sobre a descriminação da maconha e em algum momento todos irão parar para cantar sobre o fato de não existir amor em SP. Mas será que esses ritmos surgiram com esse propósito? Falar de amor, mulheres, liberação das drogas e de tantos outros assuntos que parecem agradar mais a classe média do que aqueles de classes mais baixa.

Argumento

Paulinho da Viola

Quando surgiram no Brasil, apesar das diferentes épocas, tanto o samba quanto o rap, foram criados como músicas protestos, conhecidas também como ritmos que fazem parte da cultura de resistência (ritmos criados por ex-escravos ou seus descendentes).

 

Mas com o passar do tempo e o aumento da popularidade, esses ritmos musicais passaram a chamar a atenção da indústria da música e com isso passaram por uma transformação para serem vendidos para uma elite brasileira. No Brasil vários símbolos da cultura negra foram apropriados e tornaram-se símbolos nacionais, assim perdendo seus verdadeiros significados. Muitas das criações negras como a feijoada e a capoeira foram apoderadas pela elite e transformadas no que são agora, algo sem real significado e profundidade.

Vá cuidar da sua vida

Geraldo Filme

Mas o que é apropriação cultural? Para muitos, exagero, para outros, um assunto importantíssimo. A apropriação cultural ocorre quando o povo dominante se apropria de algo que foi criado pelo povo dominado. Os símbolos criados por aquele povo, após um tempo passam a ser reproduzidos pelos dominantes, fazendo com aquilo se torne algo nacional, que faz parte da identidade de um país, totalmente descaracterizado. Ao longo dos anos muitas culturas foram apropriadas, não apenas no Brasil, mas em outros países também. “Elas são apropriadas pelos grupos dominantes, suas propostas musicais, por exemplo, são muito forte e por isso ocorre uma tentativa de apropriação dessas culturas e transformação delas em outra linguagem para poder incorporar outros públicos”, explica o filósofo Antônio de Paula Junior. Essa apropriação causa um processo de embranquecimento nesses símbolos.

Para o mestre em Educação Antônio José Santos, o samba foi a música que mais permeou a sociedade brasileira enquanto expressão musical e, por isso, talvez tenha sido um dos ritmos mais sensíveis às mudanças propostas pela dinâmica social que modifica hábitos e posições políticas. “O samba foi criado, como gênero musical, por volta do início do século 20, e, descendente de tantas influências, não poderia ficar imune a tantas outras ao longo da história”, salienta Santos. Mas ele explica que a mudança do samba começou na década de 30 “quando o Brasil vivia sob a era Vargas, o samba foi modificado e, nesse sentido mudou o comportamento das pessoas mais pobres levando-as a se enquadrar no mundo do trabalho o do nacionalismo”.

Junior (foto ao lado) explica que o samba passou por esse tipo de apropriação mais de uma vez durante sua existência. Um exemplo disso é a bossa nova, que nada mais é do que um samba sem a percussão mais pesada. “Eu não vejo a linguagem da bossa nova muito diferente da linguagem do samba que existia nos morros cariocas, existe um grupo mais engajado em fazer uma música de resistência de protesto, trazendo uma temática política e social para dentro das letras, representado Lara Leão, Elis Regina entre outros e um outro grupo que não estava tão ligado a essa proposta, preferiam fazer uma música mais romântica ou apenas cantar as belezas nacionais, esse é um fenômeno que aconteceu dentro do samba”, explica Junior. Mais recentemente, nos anos 90, essa mudança aconteceu com a criação do pagode, a mídia se apropriou desse ritmo e começou a vender essa imagem diferente, para chamar a atenção de outro grupo. “É como se tirasse esse contexto social e arrumasse essa cultura para alcançar um outro publico”, ressalta.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Mesmo sendo um estilo musical mais recente, com rap está acontecendo à mesma coisa, ele surgiu com o propósito de resistência, pessoas que nasceram nas periferias, em condições adversas, e que procuravam seu lugar na sociedade, mas com o passar do tempo foi se descaracterizando.  O rapper Dr. Sinistro (foto abaixo) chama atenção para a relação do rap com a mídia. “Quando o rap era só favela ele era desconhecido, agora ele tem outra característica, você pode ver isso pelas revistas, pela mídia, na televisão, quem está lá representando? Qual é a cor do rap hoje em dia? Ele quase não aborda mais essas questões étnicas, virou apenas diversão”, salienta o rapper.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

A música criada por negros conta uma história: a história de luta desse povo. E a partir do momento que pessoas não negras resolvem que irão contar essa história, ela perde seu real significado. Só se pode contar algo a partir de seu ponto de vista, uma pessoa que nunca sofreu racismo ou preconceito nunca vai conseguir mostrar isso na música, suas vivências nunca serão iguais e por mais que ela tenha boas intenções nunca irá conseguir passar a mesma mensagem. A indústria se apropria de algo de um grupo social e insere em outro, como se fossem os protagonistas.

Com isso, altera as suas características originais. O samba e o rap são músicas políticas, quando esse contexto cultural é deslocado para outro publico, muita coisa é perdida, se perde a origem e o seu real significado. 

As pessoas querem ouvir música negra sem que os negros participem. Como Geraldo Filme cantou em sua música: 

"Crioulo cantando samba

     Era coisa feia
     Esse é negro é vagabundo
     Joga ele na cadeia

    Hoje o branco tá no samba
    Quero ver como é que fica
    Todo mundo bate palmas
    Quando ele toca cuíca

Trecho da música

“Vá cuidar da sua vida" , com interpretação de Geraldo Filme

(ouça na íntegra no player no início da página)

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