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A denúncia

A denúncia invade a MÚSICA NEGRA

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A construção de uma vida justa e igualitária é o principal desafio de uma sociedade negra e pobre, que denuncia na música a exclusão e opressão sofrida não apenas no momento atual.  Tanto que há décadas o samba e o rap trazem os seus desejos.

 

“O rap brota na condição de opressão. Normalmente surgem nas periferias, nos universos tidos como marginais, fora daquilo que a sociedade denominadora estipulava como espaço de convívio”, explica o filósofo Antônio de Paula Junior.

 

De acordo com o filósofo, pode-se reconhecer a origem do samba desde os primórdios da escravidão não apenas como ritmo, mas numa forma de percepção do mundo.  “Se realmente estudar o samba, percebe-se que ele tem algo muito mais profundo daquilo do que realmente denominamos como samba na expressão artística”, afirma Junior. 

 

A construção uma vida justa e igualitária é o principal desafio de uma sociedade negra e pobre, que denuncia na música a exclusão e opressão sofrida não apenas no momento atual.  Tanto que há décadas o samba e o rap trazem os seus desejos.

 

Naquele tempo, o samba era dançado nas senzalas e nos terreiros, com seus instrumentos construídos com madeiras e peles de animais. Após esse período, grande quantidade de ex-escravos teve suas vidas mudadas radicalmente. Não existia qualquer previsão para os tempos seguintes à escravidão, o que gerou um quadro de desemprego muito alto. Os trabalhos manuais passaram a ser desenvolvidos por imigrantes europeus. Então, como forma de sobrevivência, muitos negros partiram rumo aos grandes centros, principalmente a capital do império, o Rio de Janeiro.

 

 

 A mais receptiva foi a mãe-de-santo Tia Ciata, uma baiana com grande dom na cozinha e muito respeitada pelos vizinhos. Em 1916, durante um desses encontros, foi composta e, depois, registrada como o primeiro samba “Pelo Telefone”, de autoria do Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga. Para que este título não se perdesse, Donga registrou em novembro de 1916 a composição na Biblioteca Nacional. De acordo com o departamento de Música e Arquivo Sonoro, da Biblioteca Nacional, Donga entregou uma partitura manuscrita para piano feita por Pixinguinha.

O músico e pesquisador Saulo Ligo completa que cada comunidade passou a ter um conjunto de compositores, que possuíam uma particularidade no samba. “Na época de Getúlio Vargas, o samba tem a influência das emissoras de rádio, como um veículo que começa a propagá-lo como uma música em forma de propaganda. O samba entrou com um produto de identidade visual”, diz Ligo.

 

Ele ressalta que o gênero sofreu diversas transformações ao longo destes 100 anos. No começo se deu o samba de roda, estilo voltado aos terreiros de Candomblé, com um ritmo formado por violas, garrafas e pandeiros. A partir da década de 1930, o gênero se acentuou com paradas súbitas e com grande quantidade de tamborins, cuíca e surdo. “Adaptaram o samba para que se encaixe na aldeia do carnaval, dos blocos. Era o início da formação das escolas de samba”, ressalta Ligo. Mas no mesmo período, o samba também se tornou mais romântico e intitulado como samba-canção.

 

Para Maria Eduarda, o samba pode ser considerado uma crônica de seu tempo, razão pela qual seus temas mudam com o momento, pois se referem á vida e a sociedade na qual seus autores estão inseridos. “Se no início do século 20 os temas ainda se referiam à nova vida pós-abolição, hoje eles falam do cotidiano do século 21”, salienta a pesquisadora.

 

Mas se no passado o samba passou por grandes momentos de resistências devido as suas formações, a situação do rap tambem foi vítima de um preconceito cultural. Com estilo próprio, o gênero foi criado na década de 1960 nos Estados Unidos. Abreviatura de ritmo e poesia em inglês, o rap é um estilo musical em que o rapper apresenta sobre uma base instrumental a letra falada, a realidade vivida pelos jovens negros dos grandes centros urbanos.

Grande parte dos negros se instalou nos cortiços construídos no entorno da Praça 11 de Junho e levaram as mais diferentes tradições.

 

“O Rio de Janeiro criou condições para que a cultura negra, ao entrar em contato com outras produções musicais populares, conseguisse criar um gênero musical, cuja gênese estava no batuque africano, mas com uma feição urbana e que pudesse se alastrar para fora dos redutos onde era originalmente produzido”, conta a doutora em Ciências Sociais e especialista em cultura negra no Brasil, Maria Eduarda Araújo Guimarães (foto).

Além da luta pela sobrevivência e melhores condições de vida, o momento era também de alegria, os negros se reuniam nas vizinhanças para confraternizar.  

(Créditos: Do Samba ao Rap)

“O rap tem uma singularidade interessante, pois é um gênero musical que, historicamente, foi sempre visto, sentido muito mais que um gênero. Diferentemente do que acostumamos a pensar de outros gêneros, que se separa mais facilmente da música com a experiência social, no rap é mais difícil, pois não é simplesmente um tipo de música”, explica o antropólogo Ricardo Teperman, autor do livro “Se liga no som: as transformações do rap no Brasil”.

No Brasil, o rap desembarcou em São Paulo e Rio de Janeiro em meados dos anos 80 sendo adotado e praticado por jovens moradores das periferias com as mesmas reivindicações dos jovens norte-americanos e com um discurso político. “Em minha opinião, como pesquisador, todo e qualquer gênero musical só pode ser entendido se considerarmos a experiência social na qual ele nasce e germina. No caso do rap, aqui no Brasil, ele nos obriga a ver isso porque denuncia e experiência de segregação social e racial. Faz uma denúncia muito contundente”, reforça Teperman.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Racistas Otários

Racionais MC's

Pelo Telefone

Donga

(intérprete desconhecido)

Ele avalia que na década de 80 ainda existia uma resistência em entender e reconhecer o rap como música. “Era frequente e ainda é atualmente ouvirmos vozes conservadoras: mas isso não é música ou não é da mesma categoria”, afirma.

Maria Eduarda e Terperman citaram o grupo Racionais MC’s como um dos conjuntos que sempre agregam a identificação social em suas músicas. Formado em 1998, os Racionais MC’s foram um dos primeiros e dos mais principais conjuntos que tornaram o rap como música popular, sem mesmo divulgação ou apoio midiático. “Fazendo shows em bailes da periferia da cidade, o grupo foi se transformando em uma das mais fortes vozes do rap nacional”, diz Maria Eduarda.

Então, tanto para o samba, quanto para o “todas as culturas vão de alguma foram sendo apropriadas pelos grupos dominantes”, segundo o filósofo Antônio de Paula Junior. “Essas culturas se identificam pelas propostas que elas trazem, tem uma tentativa de apropriação destas culturas e a transformação delas numa outra linguagem, incorporando outros públicos. Lógico, toda cultura é dinâmica em diferentes contextos sociais. É difícil pensar em uma cultura pura”, afirma Junior.

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