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Protagonistas da própria história:

MULHERES suburbanas no samba e no rap

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A história denuncia

Ritmo genuinamente brasileiro, o samba surgiu no século 19, no entanto somente na década de 30 passou a ser aceito como cultura popular. E nessa história, as mulheres só passaram a ter algum espaço em meados da década de 60.

O “Pelo Telefone”, primeiro samba gravado, foi composto na casa da famosa mãe de santo, Tia Ciata. Até então o samba era proibido e mesmo assim ela não deixou de manter os encontros, onde se reuniam grandes nomes como Pixinguinha, Sinhô, Donga e Mauro de Almeida. “Por conta dessas mães de santo, que mantiveram esses rituais (capoeira, candomblé e rodas de samba), esse som negro sobreviveu”, afirma Maria Eduarda Guimarães, doutora em Ciências Sociais e especialista em cultura negra.

Mulher no samba

Ju Moraes

Você não vai

Karol Conka

Por sua vez, os primeiros nomes femininos no samba vieram do Rio de Janeiro, como Dona Ivone Lara, considerada “A Rainha do Samba”; e Clementina de Jesus. “No início, as mulheres foram bem representadas, com nomes como, Carmen Miranda, Aracy de Almeida, que conviveu com Noel Rosa, entre tantas outras”, destaca o músico e pesquisador, Saulo Ligo. O músico assume que hoje a abertura é muito maior, pois já existem grupos femininos de samba, compositoras, cantoras e grandes instrumentistas. “A mulher sempre participou, mas como intérprete. Dona Ivone Lara foi a primeira mulher a integrar a ala de compositores de uma escola de samba”.

Segundo a especialista em cultura negra, a mulher era a musa inspiradora dos sambistas, e a música acompanhada pelo pandeiro, o meio que encontraram de se declarar, narrar suas conquistas, desilusões e suas dores.

"Ensaiei meu samba o ano inteiro
Comprei surdo e tamborim
Gastei tudo em fantasia
Era só o que eu queria
E ela jurou desfilar pra mim..
.

Trecho da música “Retalhos de Cetin”, de Benito Di Paula

"Tire o seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor
Hoje pra você eu sou espinho
Espinho não machuca flor
Eu só errei quando juntei minha alma à sua...

Trecho da música “A flor e o espinho”, de Nelson  Cavaquinho

No meu país o preconceito é eficaz, te cumprimentam na frente, e te dão um tiro por trás

Saulo Ligo também lembra que a mulher que investia nessa carreira era considerada ‘mulher da noite’. “Sofria muito preconceito, tinha que ouvir cada coisa”.

Cantora de seresta de maior referência em Piracicaba, Thereza Alves começou no samba em 1951. Com 65 anos de carreira, conta que ouvia muitos comentários maldosos, de vizinhos e pessoas próximas. “Eles achavam que a gente saía para fazer besteira, não para cantar”. Ela conta que sofreu preconceito dentro de casa. “Naquela época, como mulher, você tinha que ter coragem de subir no palco pra cantar samba ou o que quer que fosse. Sofri muito preconceito. Mas quando você quer uma coisa você passa por cima, pelo lado, por baixo, por onde precisar pra chegar no seu sonho. Eu tive problema inclusive, com meu pai, ele se preocupava com minha imagem”, confessou.

Algumas representantes do samba no Brasil:

 

- Clara Nunes

- Teresa Cristina

- Mart’nália

- Beth Carvalho

- Leci Brandão

- Elza Soares

- Alcione.

(Créditos: Do Samba ao Rap)

Se é foda ser mulher, imagina ser mulher negra cantora de rap

A invisibilidade feminina em culturas sociais, de identidade, como no caso do hip hop, é explicada pelas obrigações que a sociedade impõe à mulher (casamento, maternidade), o machismo travestido do conceito equivocado de “sexo frágil”, à misoginia, religião, entre tantos outros fatores.

 

“A gente pensar na mulher, sem especificar a mulher negra, nas mulheres em um modo geral, já é difícil. Elas sempre viveram essa crise histórica, não é novidade”, reitera o filósofo Antônio de Paula Junior.

José Luis dos Santos, o Dr. Sinistro, rapper de Campinas, lamenta que o machismo ainda seja tão presente. “Algumas religiões fortalecem isso, aí fica difícil quebrar este paradigma enquanto tiver alguém acreditando que Deus é machista, que pra Deus a mulher é submissa. A mulher tem tanto ou mais a dizer do que o homem”, afirma.

Bira Sabino, rapper e presidente da Casa do Hip Hop de Piracicaba diz que “hoje estamos discutindo bastante essa questão do empoderamento das mulheres dentro da cultura hip hop. Não enquanto o homem abrindo espaço pra mulher, mas as mulheres conquistando e falando: ‘meu rap tá aqui, minha voz também tá aqui, sou porta-voz das minhas necessidades’”. “Antigamente a mulher era backing vocal do cara, hoje ela tá ali fazendo sua história”, acrescentou.

Entre as mulheres que atuam no hip hop nacional, a já falecida Dina Di, líder do grupo Visão de Rua é considerada pioneira. Temos Flora Matos, apontada como uma das MCs mais promissoras do país. Drik Barbosa, que ficou conhecida por “Mandume”, música em parceria com Emicida (que integrou o CD “Sobre crianças, quadris, pesadelos e lições de casa”). Negra Li (foto acima), que foi lembrada por Sinistro por estar no mainstream há mais tempo, atuando em carreira solo e integrando o Grupo RZO, no qual é a única mulher. Entre tantas outras que estão por aí fazendo um ótimo trabalho sem receber o devido reconhecimento.

Em entrevista a Huffpost Brasil, Karol Conka, que é uma das expoentes do novo hip hop nacional, falou sobre sua experiência enquanto mulher no rap:

“No rap o problema não é ser negra, porque ele faz parte da cultura negra e tem uma raiz negra muito forte. O que torna difícil é ser mulher, é receber respeito sendo mulher. A gente só consegue respeito quando fala grosso, fala alto e faz um trabalho melhor do que os caras. Hoje eu entendo muito mais sobre o ‘negócio’ que é o rap do que muitos homens. Só que precisei me esforçar duas vezes mais pra ser reconhecida”.

É neste contexto que Junior destaca a importância dessa “cultura de rua”. “Por que a rua é importante? Porque é onde as pessoas se manifestam, ‘eu existo, meu’, ‘eu sou gente’, ‘por que eu não posso ser como eu sou, tenho que ser do jeito que você impõe que eu seja?’”

Para seguir resistindo – e existindo – nesse cenário, algumas sambistas se organizam em grupos e rodas de samba só para mulheres. Assim, como as MC’s buscam destaque entre os “manos” nas batalhas de rima.

O presidente da Casa do Hip Hop afirma ainda que as mulheres vem se colocando dentro do espaço, “nas batalhas elas já aparecem e a molecada até abaixa a cabeça, porque elas chegam firme na rima”.

No grafite, na dança de rua (break), as mulheres também estão se inserindo. Ainda há um longo caminho a se percorrer, mas como lembra Karol Conka: “Sociedade em choque eu vim pra incomodar / Aqui o santo é forte, é melhor se acostumar / Quem foi que disse que isso aqui não era pra mim se equivocou / Fui eu quem criei, vivi, escolhi, me descobri e agora aqui estou”.

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