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Um dedo de LECI

 

prosa com BRANDÃO

 

 

O visitante que entra no gabinete da deputada estadual Leci Brandão (PCdoB) é recebido pelo samba. A figura representativa do sambista, com sua cartola e traje branco, o convida para um debate, seja ele político ou cultural.

Aos 72 anos, a cantora e compositora esbanja alegria e segurança para contar sua história oito dias após o seu aniversário, no seu gabinete, localizado no terceiro andar na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo.

Negra, ela salienta que não faz parte de nenhum movimento negro. “Não sou de lugar nenhum. Sempre uso minha carteira de identidade para me apresentar. Nem uso minha carteirinha de deputada. Os acontecimentos vieram de forma independente. Fiz músicas falando de questões sociais, porque eu observava tudo, passei por muitas coisas nessa vida. Eu sou baseada em fatos reais”, disse, minutos antes de começar efetivamente a entrevista.

 

Ao longo de sua carreira, Leci Brandão gravou 23 álbuns, dois DVDs, diversas parcerias, além de constar em muitas coletâneas essenciais da música popular brasileira. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

Leci Brandão - É porque o povo de São Paulo nunca teve uma restrição ao povo do Rio de Janeiro. Muito pelo contrário. Por exemplo, o Cartola, o Jamelão sempre foram muito bem vistos aqui. No meu caso foi diferente, fiquei cinco anos fora da mídia, quando voltei em 1975, o Moises da Rocha, que é o responsável pelo programa “O Samba Pede Passagem”, da rádio USP, começou a tocar o então novo disco meu e o pessoal começou a me chamar para shows, aí voltei com força total. Graças a Deus. São Paulo me abraçou de verdade, tenho o Título de Cidadã Paulistana, depois tive a oportunidade de comentar o carnaval na avenida Tiradentes, em 1988 e 1989, isso fez com que houvesse uma maior aproximação com meu trabalho.

Reportagem - De onde vem tanta garra para continuar com o seu trabalho?

Leci Brandão - Acho que é pela felicidade em trabalhar para os outros, sou uma pessoa que batalho para o bem das pessoas. Gosto de ajudar.

Reportagem - Neste ano o samba comemora 100 anos, o que a senhora acredita que foi primordial para que este gênero permanecesse ativo por tanto tempo?

Leci Brandão - É porque o samba não é modismo. Samba é natural do Brasil, conheço esse país de ponta a ponta, qualquer região, estado que você vá, tem sempre uma escola de samba.

 

Reportagem - Em junho de 2015 foi lançado o Circuito de Rodas de Samba de São Paulo...

Leci Brandão - Nosso mandato quem construiu esse material. Porque tem muitas rodas de samba, as pessoas não dependem de dinheiro público, fazem de forma natural. É uma coisa eu vem de dentro para fora, muito informal, são as pessoas de suas comunidades que pegam seus instrumentos e se reúnem. Quando vimos que esse movimento tinha que ter mais visibilidade e que deveriam ser conhecidas, criamos então essa cartilha.

 

Reportagem - O samba ainda é um instrumento de resistência da cultura popular?

Leci Brandão - Com certeza. Porque através de um samba enredo, por exemplo, pode conhecer os problemas sociais, saber a história do Brasil. Quando você vai para uma comunidade de samba, você encontra famílias, não tem brigas... É um local onde se reúnem de forma social e cultural.

 

Reportagem - Vai passando de geração para geração.

Leci Brandão - Graças a Deus.

 

Reportagem - A senhora acredita que falta apoio do Poder Público com o samba?

Leci Brandão - O Poder Público tem sua participação mais na época de carnaval, por causa dos desfiles das escolas, mas acho que poderia haver maior participação durante o ano todo. As quadras das escolas ficam ociosas e neste tempo poderiam investir para que pudessem ser realizados diferentes eventos culturais, sociais. As escolas também têm essa função.

Reportagem - Sua carreira teve início na década de 1970, tornando-se a primeira mulher a participar da ala de compositores da Escola de Samba Mangueira, do Rio de Janeiro. Como isso ocorreu?

 

Leci Brandão - Foi um convite que recebi do Zé Branco, na época era tesoureiro da ala, e ele sabia que eu era compositora de festivais. Fui aceita simbolicamente, fiquei um ano fazendo samba de terreiro, fui aprovada e em 1972, entrei oficialmente.

 

Reportagem - A senhora diz que foi aqui em São Paulo que retomou a carreira. Como analisa o feito de artista do Rio de Janeiro fazer sucesso em São Paulo?

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Leci Brandão

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Leci Brandão

Em 2009, Leci Brandão filiou-se ao PCdoB, no ano seguinte foi eleita deputada estadual e reeleita em 2014. Enquanto parlamentar, Leci Brandão se dedica à promoção da igualdade racial, do respeito às religiões de matriz africana e à cultura brasileira, pela inclusão da população negra e indígena, por mais cultura e educação, por saúde de qualidade, pela garantia de direitos dos trabalhadores, da juventude, em especial a pobre e negra, das mulheres e do segmento LGBT.

Reportagem - O samba e a democracia sempre estiveram juntos em sua vida. De que forma eles se encontram ou se complementam?

Leci Brandão - A minha origem humilde e as lutas que estão presentes em minha vida coloquei na minha arte. A luta pelos direitos, pela inclusão, pela igualdade, pela democracia, pela cidadania, pelo espaço, isso sempre pautou a minha carreira.

(Créditos: Divulgação/Assessoria/Leci Brandão)

Reportagem - A senhora também é grande defensora do movimento Hip Hop...

Leci Brandão - O Rappin Hood me convidou para fazer o primeiro clipe da minha vida, foi na música “Sou Negão”, de autoria dele. Quando ele me convidou disse que já havia gravado um samba-rap, então para mim estava tudo certo. Não estudei nada sobre o movimento negro. Veio uma mulher em meu gabinete que disse agora está vendo pessoas com cabelo black power, achava bacana. Mas respondi que na década de 70, 80 eu já usava este tipo de cabelo, tenho fotos. O meu primeiro disco é de 1975 eu estava com um cabelo Black gigante, então essa coisa da negritude sempre esteve comigo. A negritude, a consciência negra mexe com a juventude, todos lutam por muitas coisas e eu estou adorando. Agora é a diversidade

 

Reportagem - Então podemos dizer que o negro está conquistando o seu espaço na sociedade?

Leci Brandão - Com certeza vem conquistando cada vez mais. E a nossa entrada na Assembléia Legislativa, em 2010, fez com que esse assunto tivesse visibilidade aqui dentro da Casa, porque ninguém discute esses assuntos aqui. Os deputados não têm a maior preocupação de discutir isso. Mas na condição de eu ser a segunda mulher negra na historia dessa assembléia, que tem mais de 70 anos, eu tenho obrigatoriamente de tocar nessas questões.

 

Reportagem - Mas de que forma o samba e o rap se combinam?

Leci Brandão - Os dois se combinam porque falam de assuntos muito semelhantes. Lembro que na época da ditadura, o pessoal da MPB fazia músicas politizadas, de protesto. A ditadura acabou e o Brasil mudou, enfim, mas continua acontecendo muitas injustiças e você não veem mais esses artistas, que hoje são medalhões da música popular brasileira, se ocuparem para fazer uma música que mostre a situação atual. Para mim os grandes repórteres musicais da realidade brasileira são os rappers.

 

Reportagem - Se as letras do rap são semelhantes como a do samba, porque eles não são bem vistos pela sociedade?

Leci Brandão - Talvez porque venham de uma juventude muito corajosas, pobre, da periferia e, principalmente, negra. Ou porque a letra é muito forte, muito incisiva, que toca nas principais feridas. As formas como eles se vestem também devem incomodar a sociedade. Mas existem pessoas que veem que ele é importante e quem tem a sua riqueza cultural. Porém, o poder da mídia é quem define as coisas.

Reportagem - Como a senhora avalia a participação da mídia?

Leci Brandão - Uma mídia racista, fascista, que não sabe reconhecer a força das comunidades. A mídia poderia ser mais generosa, abrir mais espaço para estes dois segmentos. O samba que não leva a nada, todo mundo gosta. Mas quando faz uma letra pouco mais séria e que se propõe a mostrar a realidade das pessoas, aí existe certo constrangimento.

 

Reportagem - O Brasil vive um preconceito cultural?

Leci Brandão - Vive. Até porque acho que a televisão brasileira deveria mostrar todos os ritmos desse país, mas infelizmente não é isso que ocorre. A televisão não mostra a diversidade do Brasil.

Existem muitas manifestações importantes no norte do país, músicas maravilhosas no nordeste e que não são executadas.

 

Reportagem - A senhora afirmou em entrevista que o samba e as suas tradições são partes da história do nosso país e que é preciso preservar sua memória para garantir o futuro de um povo. Como a senhora avalia o atual cenário do samba?

Leci Brandão - O samba sempre estará presente principalmente nas comunidades, no seio popular, onde a população negra tenha a sua presença. O samba sempre estará de braços dados.

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